Volume de arbitragens no país aumenta 18% de 2023 a 2024
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O número de arbitragens nas oito principais câmaras brasileiras aumentou
em 18% entre os anos de 2023 e 2024, com 376 casos novos, o que totaliza
1.219 em tramitação. O valor envolvido nas novas disputas mais que dobrou
no período, atingindo R$ 76 bilhões. Desse total, R$ 10 bilhões se referem à
administração pública, que tem usado mais o instrumento - houve alta de
45% no número de casos em relação ao ano retrasado.
Esses dados são da pesquisa “Arbitragem em Números - 2025”, da
professora e pesquisadora Selma Lemes, compartilhados com exclusividade
ao Valor. O tempo de conclusão dos processos, porém, também tem
aumentado. Em média, se houver perícia, demoram 49 meses (mais de quatro
anos), sendo o de maior duração de seis anos. Se não precisar de produção de
prova, esse período cai para 21 meses.
Foi a primeira vez que o levantamento analisou o tempo dos processos dessa
maneira, justamente por um incômodo do setor, que vê a perícia como o grande
“gargalo” nas arbitragens. O prazo de conclusão das ações era de 18 meses há
dois anos. Advogados e árbitros indicam que há casos complexos, como os de
infraestrutura, em tramitação há mais de 10 anos, sem sentença.
O atraso causado pela perícia pode reduzir, em certa medida, a vantagem e
atratividade do instituto, conhecido pela rapidez ante os litígios do Judiciário.
Mas especialistas da área defendem, contudo, que ainda é o melhor caminho.
Sobretudo em demandas mais técnicas, por conta da especialização dos
árbitros, além de os julgadores serem nomeados pelas partes - ao contrário da
Justiça, em que há sorteio.
A pesquisa indica que a produção do laudo pericial em si dura, em média, 10
meses, o que, na visão de Selma Lemes, é um prazo razoável. "O grande gargalo
está no contencioso que se forma em torno da pesquisa elaborada”, afirma.
Esse dado, acrescenta, desmistificou que a “culpa” seria dos peritos. “É um
tempo razoável que os peritos estão usando. O problema está na discussão em
torno do laudo”, completa.
De acordo com Selma, as impugnações que as partes apresentam após o
documento ser finalizado é a causa da demora. “O perito chega, às vezes, a fazer
a complementação do laudo dele três vezes e isso vai se prolongando muito”.
Na visão dela, é preciso repensar esse tipo de modelo, importado do Judiciário
e do Código de Processo Civil (CPC).
Nesta etapa, o perito é nomeado pelo tribunal arbitral e as partes podem indicar
quais tópicos gostariam que constasse no documento - são chamados de
quesitos. Eles podem ser impugnados e só depois a perícia é feita. Após
realizada, ela pode ser contestada pelos assistentes técnicos dos envolvidos na
disputa.
“Tudo que se anexa e se fala nos autos tem que dar vista para o outro lado. É
positivo esse processo. Mas transforma o procedimento, quando tem perícia,
em um contencioso que pode se dizer até que seja um parasita, porque você
cria um conflito dentro de um outro conflito”, analisa.
Uma sugestão de Selma é que cada parte apresente um laudo independente ao
tribunal arbitral, algo já adotado em arbitragens internacionais, o que pode
acelerar o processo. “Esses experts também são ouvidos em audiência e
comentam os pareceres. É uma técnica mais célere e pragmática”, adiciona. Na
pesquisa, foi indicado que em apenas três casos, de um total de 71, adotou esse
modelo.
Ninguém gosta que uma arbitragem demore três, quatro anos”
— Silvia Pachikoski
Uma série de fatores podem explicar a demora na fase pericial, afirmam
especialistas. “Se você perguntar para os peritos, eles vão dizer que a culpa é
dos advogados. Se perguntar para os advogados, vão dizer que a culpa é do
tribunal. Se perguntar para o tribunal, vai dizer que a culpa é do perito. Então,
ela é multifatorial”, diz a presidente do Centro Brasileiro de Mediação e
Arbitragem (CBMA), Mariana Freitas de Souza.
Uma delas é o excesso de quesitos solicitados pelas partes, afirma o advogado
e árbitro André Correia, do CFGS Advogados, que atuou em mais de 100
arbitragens de infraestrutura. “Tenho que fazer o mea-culpa dos advogados.
Existe um exagero na quesitação. As pessoas tentam fazer perguntas de
fundação e preparação que sobrecarregam o perito”, completa.
Em alguns casos em que ele atuou, chegaram a pedir mais de 1,5 mil quesitos.
“Existe um certo abuso e uma cultura de que precisa perguntar tudo”, adiciona.
Em tese, com 10 a 15 quesitos poderia se resolver o impasse, diz. “A solução
seria as partes combinarem, no início do processo, quais e quantos tópicos
devem ser respondidos pelo perito, para se chegar a um consenso prévio e
direcionar o trabalho”.
No Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá
(CAM-CCBC), que concentrou 40% dos novos casos em 2024, alguns tribunais
arbitrais já têm adotado essa prática. “Os tribunais e advogados têm procurado
desenvolver técnicas para atingir a conclusão da perícia sem levar todo esse
tempo, porque a gente já percebeu que não é bom para ninguém. Ninguém
gosta que uma arbitragem demore três, quatro anos”, diz a vice-presidente da
CAM-CCBC, Silvia Pachikoski.
Para a perita contábil Fabiana Scandiuzzi, do Scandiuzzi Perícia Contábil, que
atua há mais de 15 anos na área, o excesso de contraditório é o que mais
atrapalha. “Precisa ter um rito processual que, a partir do momento que existe
a entrega do laudo, existe o esclarecimento do profissional. Se o árbitro e o
tribunal se deram por satisfeitos, acabou o assunto. Não adianta ficar voltando
para esclarecimento, porque a posição do perito não vai mudar”, acrescenta.
Nos casos de perícias multidisciplinares, o prazo costuma ser bem maior que a
média indicada pela pesquisa, de 10 meses. “Em engenharia, por exemplo,
precisa uma perícia terminar para a contábil começar. A janela de prova demora
entre três anos e três anos e meio", afirma Fabiana. Outro fator que atrasa é a
omissão e atraso na entrega de documentos pelas partes. “Às vezes, as partes
não atuam e a solução é a participação do tribunal. Quando o árbitro é
participativo, a prova flui”, completa.
Em alguns casos, a própria Câmara entra em ação. “A gente faz um sistema de
follow-up. Identificando que o processo está parado, fazemos contato com o
tribunal para saber se podemos auxiliar, se o perito está precisando de algum
documento”, diz a presidente do CBMA. “Apesar de não participarmos desse
momento, estamos o tempo inteiro em contato com os tribunais para nos
colocar à disposição para agilizar essa fase”, completa Mariana.